domingo, janeiro 28, 2007

28 - Palavras que podem mudar o Homem

4 de Abril de 1979,

_ Ajudem-me, ajudem-me! - Gritei bem alto, por entre as ruas de Lisboa.
Estava aterrorizada. Tinha 16 anos e tinham-me acabado de roubar o meu único amor: as palavras. Chorei como se tivesse acabado de nascer e, quanto mais andava, quanto mais procurava o Ser cruel que me roubara as palavras, mais lágrimas escorriam pela minha face de bebé.
Não queria nem podia conformar-me. Dirigi-me à esquadra mais próxima e denunciei o caso. Escusado será dizer que, minutos depois, tinha os meus pais enfiados, comigo, naquele cubículo a que chamam de esquadra. O meu pai pegou-me por uma orelha e, até chegar a casa, só dizia _ Vês o que dá seres tão branda com a tua filha, vês?
E, sem puder contrariar as decisões do meu pai, a minha mãe lá ia dizendo _ Alfredo, deixa lá a miúda. Tu não vês que ela ainda é uma criança?!
E para aprender a não chatear as autoridades com brincadeiras parvas – palavras usadas pelo senhor meu pai – ficara de castigo durante mês e meio. Mas nada me importava a não ser a ausência das minhas queridas palavras que, para além de estarem longe de mim, nada podia fazer para as trazer de volta, pois nem a queixa do roubo tinha sido registada.

Não saía de casa; não comia; não sorria ... não vivia.
Rapidamente, a minha nova morada passara a ser o hospital onde permaneci até ao dia do suicídio.

16 de Fevereiro de 1980,

Por mais que os médicos tentassem, não me conseguiam acordar. Há meses que permanecia num sono profundo, onde só o coração se fazia sentir.
Mas foi nessa tarde, ou nessa noite, não sei, que decidi acordar. Mas antes, tinha tido um sonho – quase real, poderia jurar - que fora fatal para a decisão que tomara a seguir.
Sonhara com as palavras que me tinham sido roubadas há quase um ano. Calmamente, a palavra mais velha, contara-me o que se tinha sucedido naquela manhã de Abril de 1979. Após terem sido roubadas e não conseguirem voltar para mim, aperceberam-se que mais ninguém as queria usar como eu as usava; que mais ninguém as queria sentir, como eu as sentia. Assim, tristes com o Homem decidiram partir deste Mundo. Tal acto fizera do Homem um ser ainda mais egocêntrico, violento e cheio de atitudes desumanas.
Levantei-me e abri a janela. Lá fora, a escuridão das almas fazia-se sentir.
Depois disso, tive a certeza que só as palavras me preenchiam e que, sem elas, tudo perdia a importância que tinha.
Olhei à minha volta e encontrei um bisturi pousado em cima de uma mesinha que se encontrara perto da porta do meu quarto. Peguei nele e, no meu braço, deixei a seguinte mensagem: “Assim, é impossível viver!”.

Horas depois deram comigo estendida no chão rodeada de sangue.
A notícia da minha morte enchera a primeira página de todos os jornais.

Hoje, cá de cima, e junto das minhas queridas e eternas palavras, vou modificando a História de Vida do Homem para que, assim, possa ter um final diferente do que já estava escrito. O final era do mais sombrio que pode haver. Mas, agora, através das minhas palavras, vou distribuindo sorrisos e generosidade para que, aos poucos, por cada boa acção que o Homem vá realizando, se possa escrever uma nova linha do livro da vida.

sexta-feira, janeiro 12, 2007

27 - Nem sempre

Nem sempre as palavras que se dizem são aquelas que se querem dizer, porque nem sempre se ama quem se quer amar, porque nem sempre se vive como se quer viver.
Como podem as palavras ser mais do que palavras? Como podem ferir tanto alguém?
Será que elas têm esse direito? O direito de poder, de posse, de lei.
As palavras deixam de existir quando o olhar expressa tudo aquilo que elas, enquanto simples e meras palavras, não são capazes de dizer.
Assim, a força do olhar está na representação quer dos nossos sentimentos mais simples quer dos nossos sentimentos mais complexos.
E, embora ame as palavras, se um dia tivesse que escolher entre o conjunto de letrinhas e o olhar, pois muito certamente que preferia o olhar, pela sua genialidade em mostrar o quão nos sentimos felizes, embaraçados, revoltados ou, até mesmo, quando queremos que alguém nos seja indiferente.
Assim, a pureza está naqueles de quem a vê e naqueles de quem a sente.
Porque nem sempre as palavras são sinceras, porque nem sempre se quer magoar quem, com as palavras, acabamos por magoar.