4 de Abril de 1979,
_ Ajudem-me, ajudem-me! - Gritei bem alto, por entre as ruas de Lisboa.
Estava aterrorizada. Tinha 16 anos e tinham-me acabado de roubar o meu único amor: as palavras. Chorei como se tivesse acabado de nascer e, quanto mais andava, quanto mais procurava o Ser cruel que me roubara as palavras, mais lágrimas escorriam pela minha face de bebé.
Não queria nem podia conformar-me. Dirigi-me à esquadra mais próxima e denunciei o caso. Escusado será dizer que, minutos depois, tinha os meus pais enfiados, comigo, naquele cubículo a que chamam de esquadra. O meu pai pegou-me por uma orelha e, até chegar a casa, só dizia _ Vês o que dá seres tão branda com a tua filha, vês?
E, sem puder contrariar as decisões do meu pai, a minha mãe lá ia dizendo _ Alfredo, deixa lá a miúda. Tu não vês que ela ainda é uma criança?!
E para aprender a não chatear as autoridades com brincadeiras parvas – palavras usadas pelo senhor meu pai – ficara de castigo durante mês e meio. Mas nada me importava a não ser a ausência das minhas queridas palavras que, para além de estarem longe de mim, nada podia fazer para as trazer de volta, pois nem a queixa do roubo tinha sido registada.
Não saía de casa; não comia; não sorria ... não vivia.
Rapidamente, a minha nova morada passara a ser o hospital onde permaneci até ao dia do suicídio.
16 de Fevereiro de 1980,
Por mais que os médicos tentassem, não me conseguiam acordar. Há meses que permanecia num sono profundo, onde só o coração se fazia sentir.
Mas foi nessa tarde, ou nessa noite, não sei, que decidi acordar. Mas antes, tinha tido um sonho – quase real, poderia jurar - que fora fatal para a decisão que tomara a seguir.
Sonhara com as palavras que me tinham sido roubadas há quase um ano. Calmamente, a palavra mais velha, contara-me o que se tinha sucedido naquela manhã de Abril de 1979. Após terem sido roubadas e não conseguirem voltar para mim, aperceberam-se que mais ninguém as queria usar como eu as usava; que mais ninguém as queria sentir, como eu as sentia. Assim, tristes com o Homem decidiram partir deste Mundo. Tal acto fizera do Homem um ser ainda mais egocêntrico, violento e cheio de atitudes desumanas.
Levantei-me e abri a janela. Lá fora, a escuridão das almas fazia-se sentir.
Depois disso, tive a certeza que só as palavras me preenchiam e que, sem elas, tudo perdia a importância que tinha.
Olhei à minha volta e encontrei um bisturi pousado em cima de uma mesinha que se encontrara perto da porta do meu quarto. Peguei nele e, no meu braço, deixei a seguinte mensagem: “Assim, é impossível viver!”.
Horas depois deram comigo estendida no chão rodeada de sangue.
A notícia da minha morte enchera a primeira página de todos os jornais.
Hoje, cá de cima, e junto das minhas queridas e eternas palavras, vou modificando a História de Vida do Homem para que, assim, possa ter um final diferente do que já estava escrito. O final era do mais sombrio que pode haver. Mas, agora, através das minhas palavras, vou distribuindo sorrisos e generosidade para que, aos poucos, por cada boa acção que o Homem vá realizando, se possa escrever uma nova linha do livro da vida.
Achei este post lindissimo apesar da sua tristeza.
ResponderEliminarRecentemente comentei que é preciso saber medir as palavras para que tenham o peso certo... para não se tornarem barulho e não se dissiparem no silêncio.
Quando era miuda lembro-me de ser mandada calar várias vezes ao dia "Tu és um papagaio!"... "Engoliste um rádio!"... havia sempre algo a dizer! :)
Com o tempo... a vida rouba-nos de palavras com momentos em que não há nada a dizer... ou tudo a dizer mas perdemos a voz, o dicionário e a capacidade de expressão.
Considero-me uma pessoa articulada, sei o que quero dizer e digo quando intendo mas recordo-me de um momento não muito longiquo em que mais que me esforçasse, não me saiam as palavras de dentro...
Vi-me aflita... desesperada... e mesmo assim não conseguia!
Esse dia pintava-se igual a esta entrada :)
O ladrão roubou o coração, as palavras, mas não o beijo!... restou-me o sorriso para o mundo.
Madalena,
ResponderEliminaragradeço a tua visita ao Rosa Azul...
Este teu post está inspirador...
Um dia uma adolescente, como tantas outras, marcou um dia para morrer... mas quando esse dia chegou as palavras mais belas iluminavam a sua alma e essa adolescente... permitiu-se ser mulher... e usar... escutar... e aprender muitas coisas que se entendem por palavras...
Volta sempre!
Isafonso
As palavras também podem expressar tristeza e expressá-la de uma maneira bela e doce.
ResponderEliminarLi isto no teu post. Obrigada pela partilha.
Obrigada pela visita ao meu blog e como dizes, a vida vive-se. Aprendo a viver todos os dias.
Beijos e abraços
Marta
Olá Madalena,
ResponderEliminarsó posso dizer uma coisa: este teu post é fantástico, uma grande lição de vida...
Bjhs e boa semana
Olá.
ResponderEliminarTu realmente sabes o que fazer com as palavras, já que as escolhes ao ponto de nos emocionar.
Nesta noite estrelada, do meio do atlantico bem na margem da lagoa...acontece o feitiço...
ResponderEliminardoce beijo
Podem nos roubar tudo menos as palavras...e o pensamento...só tenho uma palavra...gostei deste canto!
ResponderEliminarum abraço
brisa de palavras
E…
ResponderEliminaraconteceu o jantar da comunidade blogueira.
Telefono e encontro-os ali na esquina
Apresentações, trocas de palavras
Confessionário do Dilbert, FairyFolk,
Choninha e marido.
Frio, muito frio, convida:entra no carro
Esperamos…
mais um telefonema
Todos querem saber como lá chegar
Todos ansiamos pelo encontro
Uns já lá sentados à mesa enorme
Esperando e questionando-se:
Quem são os novos bloguistas?
Da curiosidade fez-se realidade
...continuação lá no kalinka.
Beijos e abraços.
Olá, vim parar aqui, porque sou uma cusca de blogs e também adoro as palavras. Elas permitem-nos comunicar e comunicar é o que faz girar o Mundo, pelo menos esta é a minha teoria. Mas tenho uma máxima para mim que é: se não tiveres nada de bom e positivo para dizeres aos outros é preferivel ficares calada. Temos sempre a alternativa da " sunshine " que é o sorriso.
ResponderEliminarSempre que a tarde cai soltam-se as amarras ao pensamento, sente o encanto da brisa, olha o sorriso da lua...
ResponderEliminarDesejo-te uma semana cheia de sonho, de mil venturas.
Doce e terno beijo
As palavras silenciosamente roubadas.
ResponderEliminarEscorrendo em sangue num rio deixando para trás o corpo no vazio.
A palavra é a seiva vital que grita.
Fala tantas vezes mais alto,
quando não é dita...
Sabem-me tão bem as tuas palavras...
ResponderEliminarAté outro desistante.
Fantástico texto.Adoro as palavras, de as dizer, de as escrever. Se mas tirassem provavelmente muitas lágrimas iam correr pela minha cara também. Por isso vou continuando a falar e a escrever muito.
ResponderEliminarAdorei sinceramente o post.
tenho que cá voltar muito mais vezes.
beijinho**
bem que brutal!!!
ResponderEliminargostei.
pela determinação.
pela pertinencia.
MENSAGENS SUBLIMINARES
ResponderEliminarA seta aponta directamente para os pulsos,
Fecho os olhos e só vejo veias a
Latejar como se tivessem vida própria,
Sussuram algo para dizer
Que já sei, é na vertical que
Devo contentar com a Índia da minha mente
Escrevinhando infelicidades desta forma,
Bem perto das escadinhas e arcadas
Onde sempre viverei.
A seta enrodilha-se calmamente nesta aura,
Colorida pela falta de interesse
Sofre por saber que vai passar de prazo e fica
Sem fazer nada a não ser comprar mais e mais
Sem considerar a blasfémia de pedir ajuda,
Afinal de contas
Nunca o fez e nem foi assim tão mau
Seguir o processo de socialização e
Aninhar-se à vida sonhada de outros continentes.
Ser um eu, dá-lo a conhecer aos livros de recordes,
Com repercussões e muito amor,
Mais paz, mais segurança para as
Vidraças encharcadas da vida solitária ao relento da morte.
Tudo em câmara lenta e com botão de repetição se faz favor.
Rever e relembrar sorrindo que a
Seta esteve para estrangular o frágil pescoço de linho,
Todos os dias que via no espelho sua imagem
Sentia o cano frio na testa a
Suspirar um degradante porque não?
Sem sinal interrompido divino desistia e prosseguia. 2003
joão meirinhos in fotosíntese
www.motoratasdemarte.blogspot.com
Lindo e triste... Que junção! Bjs
ResponderEliminarSe as pensas já mudaram alguém. Gostei da simplicidade.
ResponderEliminarAgradeço as tuas.
bj
Gui
coisasdagaveta.blogs.sapo.pt
Mágico...
ResponderEliminarPost magnífico.
Um beijo
Passei para te deixar um beijinho e desejar um bom fim de semana.
ResponderEliminarOlá!
ResponderEliminarNo fundo faz-nos pensar.
Adorei
Escrita muito bonita. Palavras poderosas, sempre no sítio certo!
ResponderEliminarCumprimentos.
Navegando por aí ,traçando novos rumos , em busca de novos mundos , tentanto deixar em cada porto um amigo ...
ResponderEliminarBoa prosa, sóbria e inteligível.
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