domingo, março 25, 2007

32 - Grávida!

- Rita, ouve-me!...
- Por favor, Sofia, mudemos de assunto. Tu conheces-me e sabes muito bem como é que eu funciono. Preocupo-me com as pequenas coisas, mas com as de maiores dimensões tento só pensar no momento adequado, no momento que considero certo - tento não sofrer por antecipação, opto pelo optimismo. Percebes?
- Percebo que tens medo, Sofia.
- Talvez... mas trata-se do meu futuro, e isso assusta-me.
- Continuo achar que isso tudo ou é medo ou é cobardia.

E nesta conversa de messenger, o silêncio instala-se.

Minutos depois:

- Eu estou contigo, Rita.
- Não... Eu precisava de alguém que me dissesse aquilo que eu queria ouvir e não tudo o que tu tens dito até agora...
- Mas, Rita, é só para teu bem!
- Não te preocupes, Sofia. Eu safo-me sozinha.
Sem ti. Sem ninguém. Eu safo-me.

Rita fica offline.


[Dois dias depois]

- Finalmente, Rita!! Estou farta de te ligar e tu nada...
- Desculpa, Sofia.
Olha, estou grávida. Tinhas razão...
Na nossa última conversa eu já sabia, mas não tive coragem para te contar...
Não, o filho não é do Vasco, mas sim do Filipe.
Eu sei que namoro com o Vasco, mas o Filipe reapareceu na minha vida e disse que me amava e que faria de tudo para ficar comigo... o tempo passou e eu, quando dei por mim, estava deitada, na cama com ele.
Foi uma estupidez, mas aconteceu. Até porque... o Filipe voltou a desaparecer. Ou seja, estou só, novamente. Acreditei nele e deixei-me levar... Agora lixo-me.

Estou de rastos, Sofia.
Um beijo e até mais... Agora vou-me embora. Só te queria contar isto, mas não tenho coragem para ler o que tu tens para me dizer. Acho que já me sinto suficientemente estúpida para ouvir-te dizer o mesmo.
Beijo, obrigada, gosto de ti.

terça-feira, março 20, 2007

31 - Folha solta de um diário perdido

Não!, eu não quero comer.

Sinto que ninguém me entende e isso mata-me por dentro.
Da mesma forma que tenciono alcançar a perfeição, tenho um desejo enorme em desistir de tudo. Na verdade, só quero ser livre. Livre de dores e preocupações. Quero, por instantes, ser uma adolescente [já mulher] irresponsável que apenas quer viver e ser feliz.

Seria fácil escrever nesta folha ainda por preencher o quão choro compulsivamente, o quão me odeio. Mas não! Não é isso que vou fazer. Vou adoptar a postura contrária. De nada serve aceitar uma atitude depressiva que, mais tarde ou mais cedo, me fará 'bater no fundo'. Assim, é-me fácil sorrir, é-me fácil dizer 'sim, estou bem'. Sim, é fácil mentir.

Quanto mais o tempo passa, mais acredito em mim. Exclusivamente em mim. Sei que estou nisto sozinha e é sozinha que alcançarei o mesmo objecto. Mas... Será que os fins justificam sempre os meios? Bem, mentiria se dissesse que sim. Mas, a verdade (se ainda souber o significado de tal palavra), é que não sei e pouco me interessa.

Resiste-se à dor, ao sofrimento; resiste-se ao Mundo. A comida, essa, é difícil de resistir, mas quando se consegue, uma, duas, três e quatro vezes, tudo parece possível. Tudo é possível!
Não deixo que ela me controle e, com todas as minhas forças, não me deixo render face aos seus encantos. Sei que serei capaz: capaz de continuar a esconder esta minha situação; capaz de continuar a caminhar pelas ruas certas, pelo caminho que eu escolhi ser o certo. Sem me questionar, limito-me a agir.

Sem 'ana' nem 'mia', limito-me a viver à minha maneira.
A folha que inicialmente era branca, agora escrita com palavras e sentimentos sem nexo, continua sem vida, vazia, oca de um mundo que talvez não existe, mas que eu quero procurá-lo.

E é assim que continuarei: a procurar... procurar... procurar...

terça-feira, março 13, 2007

30 - Sem som

Canto baixinho só para eu ouvir. Porque hoje dói-me a voz, dói-me o desejo de ser quem não sou.
Um dia, quando se puder escrever fim, no livro da minha vida, há páginas que se rasgarão de tanta dor que carregam, de tantas lágrimas que já suportaram. Uma por uma, as folhas irão cair e deixarem-se morrer. E, seja onde for, haverá sempre a memória de um ser que queria morrer e voltar a nascer num outro corpo, para ter uma outra vida e, assim, escrever-se uma nova história.

quinta-feira, março 01, 2007

29 - Carminho & Sandra - Versão 2

[Vejam o post anterior, o texto é o original... Eu apenas quando o li não resisti e escrevi-o à minha maneira. Dois textos; duas histórias; dois destinos]


Carminho acorda e, ainda deitada, ouve o som da chuva que tanto lhe agrada. Sorri, pois sabe que, naquele instante, haverá outra pessoa qualquer a sorrir, também.
Enrosca-se nos lençóis, de pura seda, e entra num sonho profundo, quase real de tão bonito que era. Volta acordar e à sua vota tem a avó que lhe acaricia a mão, o namorado que lhe beija a testa e a mãe que trás o pequeno almoço: fruta, tanta e tanta fruta; uma bola de gelado de baunilha e uma cereja no topo; fruta e mais fruta; croissants; doce de morango e marmelada e um copo de leite com mel, bem quentinho.
Carminho tem 18 anos e uma vida dentro de si. Olha para a barriga e acaricia-a. Sente-se feliz. Muito e muito feliz.
9 meses recheados de amor, afecto, atenção, gargalhadas, fotografias cheias de sorrisos de gente feliz.
Chegou o dia. Calmamente dirige-se para a maternidade, acompanhada por toda a família e por todos os amigos. As lágrimas caem-lhe com as dores das contracções e com o peso da barriga que, inevitavelmente, se faz sentir.
A malinha com as coisas para a mamã e para o bebé já estava preparada há muito.
Entra na maternidade, grita de dor e de prazer. Finalmente, ouve o choro do seu filho, sorri e, de tanto cansaço, acaba por adormecer.
Cá fora, recebe-se a notícia de que o menino Afonso acaba de nascer. É um menino lindo e saudável.
A felicidade é notória e toda a gente se mostra impaciente para felicitar a mamã, para a mimar ainda mais e para rechear o bebé de coisinhas boas.
Carminho acorda.
Basta abrir os olhos e olhar à sua volta para ver que nunca está só. Recebe flores, ursos grandes e ternurentos, bombons e tudo aquilo a que ela julga ter direito.
Carminho levanta-se ligeiramente, pega no seu filho, abraça-o com cuidado, e à volta tem aqueles que a amam.
É o quadro perfeito.


Sandra acorda e, ainda deitada, ouve o som da chuva que tanto lhe agrada. Sorri, pois sabe que, naquele instante, haverá outra pessoa qualquer a sorrir, também.
Apetecia-lhe ficar mais um bocadinho, enroscadinha naqueles mantas, feitas por si, mas o tempo é pouco e a vida não lhe permite tamanhas regalias. Olha para a barriga e acaricia-a. Levanta-se. Come a última maçã. Veste-se e sai de casa. Está frio, muito frio. O dia, cinzento, é triste e chora compulsivamente. Olha para a carteira e vê que se esqueceu das moedas que lhe permitem apanhar o comboio com destino a Lisboa, Oriente. Olha para o relógio e vê que já tem pouco tempo, apressa-se e volta a casa para ir buscar o seu dinheiro.
Quase sem fôlego vê o comboio passar mesmo à sua frente. Agora, tem de esperar pelo próximo.
O frio quase que corta a sua face branca, tão branca, que parece neve de tão gelada que está.
Sentada, recupera agora o fôlego de uma manhã, como todas as outras manhã, cheia de pressas e correrias.
De repente, lá ouve o som desejado "vai dar entrada na linha dois o comboio com destino a Lisboa, Santa Apolónia". É este!, diz aliviada.
Chega ao Oriente e ainda tem de apanhar o autocarro até ao Saldanha.
Finalmente chega ao trabalho. Terminam as primeiras oito horas. São 16h e para Sandra o dia está longe de terminar. Dirige-se para o Marquês de Pombal para trabalhar mais oito horas.
Meia-noite. Agasalha-se e corre para a paragem. Sorri por ainda conseguir apanhar o autocarro, depois volta a sorrir por ele ter chegado ao destino a horas e, assim, conseguir apanhar o Comboio até ao Entroncamento.
É de madrugada.
Descalça-se e estende-se na cama. Está estafada. Olha para o telemóvel e nem uma chamada, nem uma mensagem. Naquele T1 ainda por mobilar, Sandra encontra-se sozinha. Sem ninguém. Correcção: Sandra, apesar de tudo, não está só. Sandra tem-na a ela e ao seu filho.
9 meses de força, de coragem, de luta. 9 meses a sorrir por ver a barriga a crescer e a ouvir o seu bebé.
A sua casa, apesar de modesta, já reúne todas as condições para receber o seu filhote. Sandra não se farta de sorrir por ver aquele quartinho que, apesar de também ser seu, tem o cheiro a bebé.
Está na hora. Telefona para o 112. Espera. Espera. Espera.
A ambulância chega e leva-a para a maternidade.
Sente as dores normais do parto, nada que a faça temer. Finalmente, ouve o choro do seu filho, sorri e continua a sorrir e, apesar do cansaço, não se deixa adormecer. Quer estar junto ao seu filho, junto ao seu maior Amor. Quer sentir-lhe o cheiro, o calor, a força e a garra de uma nova vida.

Ninguém a vem ver. Inevitavelmente, pelo rosto de Sandra escorre uma lágrima longa que parece não ter fim. Sente-se desprotegida de amor daqueles que a viram crescer e que, supostamente, a amariam incondicionalmente.
Rapidamente seca a lágrima e, cheia de força, levanta-se e diz que quer ir para casa, que está bem e que não consegue estar ali inerte a ver o tempo a passar.

Chega a casa.
Deita o pequenino André no berço e, ao vê-lo a dormir, tem a certeza que um filho é sempre amado, seja qual for a altura da vida.


Carminho rapidamente regressa à faculdade.
Afonso fica com os avôs ou com a ama.
4 anos depois, Carminho é licenciada no curso que sempre sonhou. Trabalha. Casa.
Carminho, vive feliz.


Sandra é Mãe – mãe solteira - e trabalha afincadamente para que o seu filho tenha tudo aquilo a que tem direito. Porque ela ama-o e sabe que com dedicação, trabalho e força de vontade tudo se consegue.
Dois anos depois regressa à faculdade.
É Mãe. Trabalha. Trabalha. Trabalha e estuda.
Rapidamente tira o curso que sempre sonhou.
Agora, a trabalhar naquilo que gosta e com um filho a correr-lhe para os braços – apesar de nunca ter duvidado – tem agora a certeza que a sua escolha nunca, mas nunca poderia ter sido outra.
Sandra, vive feliz.



Eu voto não . Pela Sandra e pela Carminho. Por todas as mães.
Por mim.
Madalena - as cores da vida


Segunda-feira, Fevereiro 05, 2007

Carminho & Sandra - Versão original

«Carminho senta - se nos bancos almofadados do BMW da mãe. Chove lá fora .Encosta o nariz ao vidro para disfarçar duas enormes lágrimas que lhe rolam pela face. A mãe conduz o carro e aperta - lhe ternamente a mão. Há muito trânsito na Lapa ao fim da tarde. A mãe tem um olhar triste e vago mas aperta com força a mão da filha de 18 anos. Estão juntas. A caminho de Espanha.

(Mais a baixo na cidade)

Sandra senta - se no banco côr - de - laranja do autocarro 22 que sai de Alcântara. Chove lá fora. Encosta o nariz ao vidro para disfarçar duas enormes lágrimas que lhe rolam pela face. A mãe está sentada ao lado dela. Encosta o guarda - chuva aos pés gelados e aperta - lhe ternamente a mão. Há muito trânsito em Alcântara ao fim da tarde. A mãe tem um olhar triste e vago mas aperta com força a mão da filha de 18 anos. Estão juntas. A caminho de casa de Uma Senhora.

O BMW e o autocarro 22 cruzam - se a subir a Avenida Infante Santo.

Carminho despe - se a tremer sem nunca conseguir estancar o choro. Veste uma bata verde. Deita - se numa marquesa. É atendida por uma médica que lhe entoa palavras doces ao ouvido, enquanto lhe afaga o cabelo. Carminho sente - se a adormecer depois de respirar mais fundo o cheiro que a máscara exala. Chora enquanto dorme.


Sandra não se despe e treme muito sem conseguir estancar o choro. Nervosa , brinca com as tranças que a mãe lhe fez de manhã na tentativa de lhe recuperar a infância. A Senhora chega. A mãe entrega um envelope à Senhora. A Senhora abre - o e resmunga qualquer coisa. É altura de beber um liquido verde de sabor muito ácido. O copo está sujo, pensa Sandra. Sente – se doente e sabe que vai adormecer. Chora enquanto dorme.

Carminho acorda do seu sono induzido. Tem a mãe e a médica ao seu lado. Não sente dores no corpo mas as lágrimas não param de lhe correr cara abaixo. Sai da clínica de rosto destapado. Sabe –lhe bem o ar fresco da manhã. É tempo de regressar a casa. Quando a placa da União Europeia surge na estrada a dizer PORTUGAL, Carminho chora convulsivamente.

Sandra não acorda. E não acorda . E não acorda. A mãe geme baixinho desesperada ao seu lado. Pede à Senhora para chamar uma ambulância. A Senhora não deixa, ponha – se daqui para fora com a miúda, há uma cabine lá em baixo, livre – se de dizer a alguém que eu existo.
A mãe arrasta a Sandra inanimada escada a baixo. Um vizinho cansado, chama o 112 e a polícia.
Sandra acorda no quarto 122 dias depois. As lágrimas cara abaixo. Não poderás ter mais filhos, Sandra, disse –lhe uma médica, emocionada.
Sai do hospital de cara tapada, coberta por um lenço. Não sente o ar fresco da manhã. No bolso junto ao útero magoado, a intimação para se apresentar a um tribunal do seu país: Portugal.


Eu voto sim . Pela Sandra e pela Carminho. Pelas suas mães e avós. Por mim.
Rita Ferro Rodrigues»
Segunda-feira, Fevereiro 05, 2007


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