quarta-feira, agosto 23, 2006

16 - Amar-te em palavras

Gostas de me ler. Saboreias cada palavra que é escrita só para ti. Sorris de cada vez que me vês a elogiar-te. E eu hei-de morrer a desenhar cada letra do teu nome, porque tu fazes-me bem e eu gosto de viver assim; gosto de te ver quando beijas o som de cada palavra, quando ficas ternurento ao escutar o ritmo das frases que vão chegando até ti.

É tão fácil apaixonar-me por ti. Denoto uma doçura ao penetrar na tua caligrafia, que é mágica, profunda e que me sabe roubar tão bem o coração. O teu olhar permanece sempre no meu imaginário e, assim, é fácil antever cada reacção tua, cada gesto e, até mesmo, cada pensamento teu ao ler as cartas que são exclusivamente tuas.

Os olhares não se cruzam; as mãos não se tocam; os corpos não se unem. É assim que eu te amo.

Amo-te em palavras.

quarta-feira, agosto 16, 2006

15 - Por detrás de um olhar

- Bom dia, Joana. Passa-me, por favor, a toalha. – Disse carinhosamente Miguel com a sua habitual voz de menino que ainda precisa da mãe e que, ao acordar, parece tão inocente como um bebé acabado de nascer.
E, passando genuinamente a toalha, Joana sem nada lhe dizer, esboça apenas um sorriso.

A vida de recém-casados correra lindamente. A cumplicidade notava-se no olhar. Os lábios, mesmo sem se mexerem, falavam, embora eles fossem os únicos a ouvir aquele silêncio. O unir das mãos era feito com uma suavidade que, quando se tocavam, permaneciam unidas durante muito tempo, pelo menos o tempo necessário para se voltarem apaixonar. E, assim, os dias iam passando e a paixão continuara viva.

Joana era daquelas mulheres que acreditava que o casamento era, de facto, para toda a vida. Mas, um dia, percebeu que nada é para sempre. E, por isso, por muito que ela quisesse, o amor não duraria eternamente. Passou acreditar na efemeridade da vida no dia em que descobriu que o marido, que sempre lhe parecera tão fiel e verdadeiramente apaixonado, a traíra. O choque foi brutal. Joana sentiu o mundo a cair sobre si e para tornar a situação verdadeiramente desoladora descobrira, também naquela altura, que não tinha um único amigo, nem um único familiar com quem pudesse chorar destemidamente, sem medos e sem segredos. Lembrou-se que todos a tinham abandonado no dia em que decidiu casar com Miguel. Agora, ao se olhar, viria apenas um buraco sem fundo e, logo se apercebeu, que esse mesmo buraco correspondia ao vazio que sentia; à solidão que a envolvia e que a matava por não saber lidar com ela. O ódio por si mesma assim como o arrependimento logo surgiu. Lamentou o facto de ter lutado por um amor que não valera a pena. Não se arrependera pela relação não ter resultado, mas sim por ter sido traída mesmo antes de casar e essa traição ter continuado. E, sendo assim, não era o amor que tinha acabado, mas era sim o amor que nunca tinha nascido.

O Miguel traíra a Joana com o Orlando. O Orlando!, o grande amor do Miguel que, para o esconder, a família o obrigara a casar com a rapariguinha bonitinha mas tão ingenuazinha: Joana!

Nem os amigos, nem os familiares de Joana sabiam desse amor secreto do Miguel. Mas, a cumplicidade, o amor, a paixão verdadeiramente ardente que Joana sentia, não passara de um ilusão que só ela julgara existir. Todos que a rodeavam sempre se aperceberam da ausência de química entre o casal; do carinho forçado por parte do Miguel... Mas, para Joana – ou para os seus olhos - , tudo correra como uma verdadeira história de amor.

Traições! Enganos! Dor e mais dor! Um sofrimento profundo que, um dia, já mais não fará sentido. Nada é eterno: nem o amor, nem a dor...

segunda-feira, agosto 14, 2006

14 - Enganos

Não importa para onde vou, porque tu estás sempre comigo. Eu sinto-te. Às vezes, quando a saudade começa apertar e me começa a magoar fecho os olhos e vejo-te, depois tento tocar-te, mas a tua imagem evapora-se. Fico, então, de novo só. O corpo vai ficando sem forças e os olhos perdem o brilho. É nestas alturas que me sinto a morrer, mas, por sorte, logo vejo a minha imagem e o meu corpo a ressuscitar.Abraço-me. Ganho forças para sair do abismo em que entrei e tento aprender a caminhar sem cair, mesmo que, por vezes, tenha que tropeçar.

sexta-feira, agosto 04, 2006

13 - Um jantar; uma nova vida

Hoje o Miguel veio a nossa casa. A Ana chegou mais tarde, como sempre. Ela está igualzinha, até parece que o tempo não passou por ela: continua vaidosa, bem-disposta e sempre com um sentido de humor que, por vezes, a tornavam indelicada. Igualzinha aos tempos de adolescente, sempre a chegar atrasada fosse onde fosse. Já ninguém lhe dizia nada, porque já sabiam que ela era assim e tinha a necessidade de dar nas vistas e, ao chegar atrasada, e sempre tão espampanante dava nas vistas, de certeza. O Miguel não, era discreto e sempre pontual; cuidava muito do visual e nisso era igual à Ana, mesmo que ele fizesse questão em dizer que não; era intelectual, sabia sempre tudo, era o génio do liceu. E eu... Ah, eu acho que tinha um pouco dos dois. Talvez fosse a mais ponderada, sem grandes extremos. Se o Miguel nunca queria dar nas vistas acaba sempre por o fazer por ser pacato e com um ar muito anti-social. Eu era aquela que discretamente, sem ser assunto de conversa, estava sempre presente nas festas, era uma aluna mediana, social e com uma grande queda para o desporto. Ah, faltam os gémeos. O Jorge e o Gustavo. Bem, o Jorge era o mais estranho de todos nós e hoje percebemos porquê: é gay. Nunca desconfiámos porque o Jorge parecia ter dupla personalidade e isso confundia –nos e era tão bonito, mas tão bonito que ser gay ou ir para padre jamais nos passara pela cabeça. Mas hoje é um grande arquitecto, muito bem sucedido internacionalmente. O Gustavo... O rapaz por quem me apaixonei e o homem com quem casei. Os cinco e inseparáveis amigos, tão diferentes e, por isso, sempre tão unidos. Acho que nos completávamos.

Tanto a Ana como o Miguel continuam sozinhos. São complicados, eles. Escolhem demais e acho que esse é o problema. O Gustavo foi ter com o irmão, Jorge, a Nova Iorque e eu decidi convidar o Miguel e a Ana que já não os vejo há cerca de seis anos. Credo, como o tempo passa! Sempre pensei que um dia, se tivesse sem emprego, iria para Cupido. Era boa nisso! Mas a Ana e o Miguel foram o casal mais difícil de unir. Mas eu achava que ao fim de tantos anos, depois do coração tanto bater de tantas saudades eles iriam perceber o quão gostam um do outro e, finalmente, entregarem-se nos braços um do outro.
Foi uma noite inesquecível. Lá fora a chuva escorria sobre os grandes vidros da sala e nós, cá dentro, falávamos e falávamos e riamos e riamos. Relembrámos tempos antigos, episódios que eu, mesmo tão nostálgica, já tinha esquecido. E, de repente, a química entre o Miguel – que agora tinha cá um charme, em que os óculos e o ar de menino intelectual deram lugar a um homem seguro e elegantíssimo – ah se eu não fosse casada! – e a Ana – em que as purpurinas deram lugar a uma maquilhagem suave e discreta, que realçavam a sua verdadeira beleza – fizera-se notar. Eu, com aquela veia dramática que, infelizmente ou não, nunca a aproveitei, inventei uma situação e representei-a e, assim, lá consegui sair da minha própria casa deixando-os completamente a sós. Quando cheguei já cá não estavam. Deixaram um bilhete:

Mariana,
obrigada pelo jantar, estava tudo óptimo.
Esperamos que a tua tia já esteja melhor.
Agora estamos com pressa, mas daqui a pouco tempo irás receber notícias nossas.
Um beijo,
Ana e Miguel.


Duas semanas depois e recebi um postal de Las Vegas. Um postal da Ana e do Miguel que, após terem sabido que não havia tia nenhuma e, muito menos, que estava doente, disseram:

Querida Cupido Mar,
Como nos pudeste fazer isto, hein?!
Se estivéssemos aí bem sabes o que te aconteceria.
Adoramos-te e tu sabes disso, mesmo que estejamos tanto tempo sem nos vermos, mas o grande e o verdadeiro amor nunca morre e nós somos a prova disso.
Eu e o Miguel estamos muito felizes e é a ti que devemos tamanha felicidade.
Tu não mudas mesmo!
Um beijo a quem me mudou a vida. Agora já não acordo sozinha e tu tens bem a noção da gravidade da situação?! Eu, Ana, a miss beleza, a ser admirada quando acorda estando completamente natural. Que bonito. Com um simples gesto conseguiste-me mudar.
Não te esqueço.
Até...!


Gosto destes jantares, em que tudo muda...

terça-feira, agosto 01, 2006

12 – O mundo: uma casa que não a minha

Nunca me senti parte deste mundo. O facto de ter nascido sem ter sido desejada faz com que eu olhe à minha volte e ache que nada me pertence. Sinto que estou cá por acaso e, por acaso também, lá vou vivendo. Eu digo que sinto, mas não sei se isso será apenas ilusão. Confundo a dor com a alegria e nunca vi escorrer sobre o meu rosto aquelas pequenas gotas que dizem saber a sal. Não me dói o coração quando me dizem "não" e não me sinto ansiosa nem feliz quando me dizem "sim". Sei que há quem me ame, mas não sei o que isso é... porque não consigo amar ninguém e, por isso, quando alguém parte deste mundo para outro eu não sinto a sua falta, porque eu não sei o que é a Saudade. Sorrio independentemente da situação que esteja a viver; digo “adeus” sem hesitar e nem penso se essa pessoa irá voltar, se demorará muito ou pouco tempo, porque para mim não existe tempo. Não sei de que terra sou. Vou caminhado por aqui e por ali, vou indo na direcção das vozes que chamam pelo meu nome. Nasci por acaso e por acaso vou vivendo... sem tempo.