sábado, novembro 20, 2010

51.1 - cancro

[CONTINUAÇÃO]

15 de Novembro

Querido Diário…,

Continuo sem chorar. Incrível. Conhecer os meus olhos e sabê-los sensíveis, e agora… agora nada! A minha passividade começa a irritar-me.
Preciso de um banho, quero que a minha Alma acorde! Levanto-me da cama, dispo-me e deixo-me mergulhar naquelas águas tranquilizantes. E naquele meu silêncio, oiço-me. E de repente, sinto-me a sufocar. Sufoco-me nesta forma de vida, onde finjo confundir as primeiras lágrimas que derramo no meio daquela água que teima em não limpar a alma. E continuo assim. Existo. Todo o meu corpo parece indolor aos meus sentimentos. Magoo-me e nada! Provoco a dor e nada. Por mais cruel que seja para comigo, nada me afecta, nada me machuca, nada faz com que o meu corpo grite de uma raiva que devia de existir. Questiono-me se estarei viva e as pessoas riem-se. Acham-me com piada, acham piada até à minha dor. Sou cruel comigo, mas também cruel para aqueles de quem gosto e minto. Não merecem. Assim, embora precisasse tanto do seu abraço, do seu silêncio sem perguntas, despido de julgamentos e cheio de conforto, afasto-me. Estarei eu a ser aquilo que sempre condenei? Hipócrita? Na verdade, recuso-me a magoar quem não merece ouvir a verdade. E depois? Depois finjo. Digo que estou bem, quando a minha alma chora e quase implora que sejas sábio e descubras o porquê de eu me sentir assim. Depois, mesmo que acertes, irei negar. Não sou capaz de to dizer, por ti, mas quero que o saibas, por mim.

Sinto-me horrível. Um ser quase assustador, que quer o teu abraço, mas que faz de tudo para o manter longe.

Assim, se não sou capaz de fingir verdadeiramente, então tornar-me-ei aquilo para que nunca nasci: para ser fria, distante, insensível. Não existe opção, esta é a única e, por muito que custa, vou ser capaz. Sempre fui, sempre. Sempre habituei-me a ouvir os teus problemas, os problemas dos outros e a verem-me sempre sorridente. Mas também sofro, com a diferença de que supero tudo, sozinha. Sou capaz, embora às vezes seja um peso muito grande para uma pessoa só…

Não sei como será o final desta história, mas sei que vou continuar a sorrir, porque devo isso a ti, e a mim mesma! Mereço ser feliz, dure o tempo que durar…

Laura continua envolvida em sentimentos que a corroem por dentro. E ninguém a percebe. Não faz mal, diz ela. Mas faz. É à noite, quando ninguém a vê, que se deixa cair num estado lastimável. É nesse silêncio que quase morre. Sem forças, deixa-se adormecer, para que, rapidamente, seja de manhã. O sol nasça e, no meio da gente, ela volte a sorrir. É mecânico. É um ciclo. Dia de sorrisos, noite de lágrimas. A noite liberta-a, é o único momento onde é verdadeira para consigo. Fases. Ela prefere pensar que são fases. Vai mudar. Ela tem força para isso, ela nasceu para isso, para se erguer mesmo quando o mundo insiste em a fazer cair.
[CONTINUA]

sexta-feira, novembro 12, 2010

51.0 – cancro

Foi no início da semana que ela descobrira algo que, inevitavelmente, mudaria a sua vida. Quarta-feira, 15h42. Uma só palavra foi suficiente para a deixar cair num estado paralisador. Cancro. Depois disto, não ouviu mais nada. Envolveu-se em vultos de luzes com cores diversas e estranhamente, ou não, não verteu uma única lágrima. Contrariou o estado natural e sorriu. Sorriu, sorriu e voltou a sorrir. Ela tinha a certeza que a sua energia não poderia esgotar agora. Era jovem e amava tanto viver que seria cruel tirarem-lhe esse prazer. Por isso, sabia que tudo ia correr bem, embora ainda não soubesse que o caminho a percorrer fosse longo...

Hoje ela escreve mais uma página no seu diário, mais uma vitória, mais um dia em que o rosto se iluminou de sorrisos e as respostas às perguntas "está tudo bem?" foram sempre SIM.

Ela vai vencer. Ela sabe que vai vencer.

[CONTINUA]